As pessoas que pararam no tempo
O ano era 2022. 15 de agosto era o dia. Sem nenhuma explicação ou aviso prévio, diversas pessoas nas mais variadas partes do mundo pararam.
O ano era 2022. 15 de agosto era o dia. Sem nenhuma explicação ou aviso prévio, diversas pessoas nas mais variadas partes do mundo pararam.
Pararam, no sentido de não se mexer mais. Todas ao mesmo tempo. Travaram, enquanto o mundo continuava a girar. Não houve favorecidos, não houve discriminação. Todo tipo de gente, em praticamente todos os países do mundo, foi afetada. Pessoas desconhecidas, personalidades, pobres, bilionários, bebês, idosos.
Uns pararam enquanto trabalhavam, outros enquanto faziam exercícios. Teve gente que parou no banho, outras transando. Gente parada enquanto surfava acabou afundando para ser encontrada dias depois. Pessoas que foram dormir e não acordaram. Políticos no meio de um discurso, personalidades ao vivo na sua rede social, a pilota de avião que travou no ar e a tripulação foi forçada a fazer um pouso de emergência. Teve de tudo.
O caso mais famoso foi o astronauta a bordo da Estação Internacional. Estava fazendo reparos no exterior do módulo e, imóvel, não conseguiu voltar para a Estação. Foi engolido pelo universo frio e escuro.
A imprensa logo achou um termo para se dirigir ao acontecimento e a moda pegou. Aos olhos do mundo, quem parou de se mexer virou um “congelado”. A palavra até faz sentido para o contexto. As pessoas congelaram na posição que estavam. Estavam vivos e, de uma hora para outra, tornaram-se estátuas de cera. Lembra das pessoas que foram congeladas transando? Sim. Congelaram na posição que estavam, para o susto de seus parceiros e parceiras. E não havia nada que pudesse ser feito para que a posição de um congelado mudasse.
A “sexta-feira congelada” era matéria em todos os noticiários em todos os canais possíveis. Pesquisas apontavam para um número um pouco maior que 44 milhões de pessoas congeladas. Tamanha crise fez a ONU criar uma grande força tarefa para listar e mapear essas pessoas, mas encontrar um número final parecia tarefa muito difícil.
Isso porque era praticamente impossível definir se uma pessoa tinha sido congelada ou simplesmente desapareceu. Tampouco ter informação de povos originários em regiões inóspitas, para saber se algum nativo congelou. Dificuldade essa que não impediu desbravadores de se jogarem nos 4 cantos do planeta atrás desses povos e dessa informação. Era um movimento crescente a ideia de que o número total de pessoas congeladas ajudaria a explicar o acontecimento. Para quem acreditava nisso, cada pessoa congelada importava.
Novas religiões e seitas surgiram por todo canto, cada uma com sua versão para a história. As religiões que já existiam ganharam mais força, se apropriando da narrativa da “punição divina” para arrebanhar cada vez mais pessoas.
Do outro lado, estatísticos e matemáticos tentavam enxergar padrões. Escaneavam os dados em busca de algo. Algum sentido precisava existir. Seria a idade o que unia todos os congelados? Ou a cor dos olhos? A história de vida? Ou o DNA? Nada. Uma massa aleatória de pessoas. Nenhum algoritmo salvava.
Ao mesmo tempo, médicos pegavam congelados que estavam na posição deitada e colocavam dentro de aparelhos de ressonância magnética e scanners cerebrais. Outros, com autorização da família por estarem em estado vegetativo antes da sexta-feira trágica, foram pra mesa de cirurgia. Coração parado. Nenhuma atividade cerebral. O sangue podia ser cortado com uma faca.
Mesmo assim, as pessoas não “morriam”. A pele não apodrecia, o cabelo não caía. Os congelados continuavam com o mesmo vigor e cor de quando estavam ativos. Os meses passavam e nada mudava. Ninguém voltava do congelamento e ninguém achava uma explicação para o fato.
Surgiu a Síndrome do Movimento. Pessoas que não congelaram começavam a se preocupar em estar sempre se mexendo, para evitar o congelamento. Ficar parado era perigoso. Remédios foram criados para tratar essas pessoas. A coisa ficou feia. A vida na Terra ficou maluca. Mas só para humanos. Nenhum animal havia sido congelado. Nenhum.
Dois anos se passaram. A vida ficou mais calma. A humanidade começou a aceitar o fato de que estávamos à frente de um evento inexplicável e irremediável. Os jornais já não falavam mais tanto no assunto e as pessoas começaram a seguir seus rumos. Começaram a se despedir. A vida precisava continuar.
Mas e o que fazer com uma pessoa congelada?
Para aquelas pessoas mais desesperançosas com o triste fim de seus familiares, enterros tradicionais foram realizados. Outras jogaram seus parentes em depósitos de armazenamento, uma herança para as gerações futuras. Teve quem não se desapegou e mantinha seus queridos filhos e filhas em exposição na sala. Os veriam com a melhor roupa e posicionavam como uma peça decorativa. “Um dia ela descongela e vou estar aqui esperando.” Mesmo congeladas, ainda faziam parte da rotina de quem ficou.
Artistas famosos que foram vítimas do evento continuaram seduzindo seus públicos, mas agora nas chamadas “lojas temáticas”. Lojas onde a celebridade famosa ficava no centro, congelada, e seus fãs precisavam pagar ingresso para ver ela de perto, tirar fotos e, claro, comprar produtos à venda nas prateleiras ao redor.
Já aquelas pessoas que não eram famosas mas deram o azar (ou sorte) de congelarem em posições bizarras, conquistaram sua fama em circos, museus relacionados ao evento e casas de entretenimento de segunda categoria.
Seja em fotos de recordação, seja em “carne e osso”, era fácil encontrar uma pessoa congelada no dia a dia.
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