Contos breves: O país que atrasou o futuro
Embora sejam invenções humanas recentes, o sistema horário de 12 horas e o calendário gregoriano já estão tão estabelecidos na nossa vida…
Embora sejam invenções humanas recentes, o sistema horário de 12 horas e o calendário gregoriano já estão tão estabelecidos na nossa vida que é muito difícil imaginar a sociedade vivendo sem esses sistemas. As horas e as datas determinam praticamente todas as atividades que participamos ao ponto que, mesmo que apenas algumas pessoas parassem de usá-las, um problema se criaria. E foi isso que aconteceu.
A nova moda era um método cronológico decimal. Cada dia tinha 10 horas, cada hora 100 minutos e cada minuto 100 segundos. As semanas duravam 10 dias, os meses possuíam 10 semanas e o ano levava a gigantesca soma de mil dias para terminar.
O que começou como um pequeno movimento de nicho, uma investida de uma comunidade ínfima de pessoas, rapidamente encontrou eco em outros setores da sociedade e ganhou força. Nascia o movimento do “Outro Tempo”, que com uma ascensão vertiginosa tirou a sociedade dos trilhos e deixou as relações entre pessoas muito complicadas.
Mesmo com a rápida invenção de relógios conversores de horas e outras tecnologias que ajudavam na tradução entre os dois sistemas, as coisas não eram tão simples assim. Quando é “na próxima semana”? Quando é “final do mês”? A frase “esse trabalho vai levar 2 semanas para ficar pronto” significava duas coisas diferentes dependendo de quem estava na conversa. As pessoas discordavam sobre prazos, horários, metas. Era complexo marcar um compromisso, fazer planos ou simplesmente perguntar a idade de alguém.
Esse descompasso culminou na desconexão entre os grupos que utilizavam sistemas cronológicos diferentes. Em poucos meses, a sociedade se viu dividida, um cisma que provocou que cada metade da população fortalecesse ainda mais suas opiniões e se afastasse de quem pensava diferente.
Para esse assunto virar ferramenta política deu-se pouquíssimo tempo. Pessoas que faziam parte do movimento do Outro Tempo alcançaram cargos públicos e começaram sua jornada para colocar o país inteiro sob tutela do sistema decimal.
Quando uma boa parcela desses políticos estava ocupando as câmaras do país, a mudança foi feita. O novo sistema foi adotado como métrica oficial, e toda a população teve que se adequar.
As pessoas não acreditavam como tal decisão fora aceita entre políticos, mas logo ficou claro. Alguns partidos viam o prolongamento do tempo como uma benção. Com os meses e anos durando mais tempo, havia a oportunidade de ampliar a duração de mandatos e inflar resultados com o recorte temporal acima do normal.
Dito e feito. O PIB do primeiro ano após a adoção do sistema métrico decimal foi comunicado como o maior da história. Foi o ano que mais obras começaram e terminaram. Foi o ano em que a maior quantia de dinheiro foi investida nas áreas mais importantes do país. Claro, um ano de mil dias tinha tudo para ser assim. Não foram os investimentos, as obras ou o PIB que aumentaram, e sim o número de dias dentro do ano que agora eram o triplo dos anos anteriores. As políticas eram as mesmas de sempre, mas o ano inflado permitia que os números fossem maiores. E por incrível que pareça, muitas pessoas olhavam apenas para os números divulgados e celebravam os resultados.
Enquanto para esse país passara apenas um ano, os outros andaram 3 casas na linha do tempo. Era possível acompanhar os outros países celebrando suas datas festivas, seus avanços, suas conquistas. Outras nações pareciam cada vez mais entrar no futuro, crescendo em conjunto, enquanto o sistema decimal atrapalhava transações comerciais e acordos internacionais.
Lançamento de produtos demoravam para chegar no país. As tecnologias nunca eram criadas para rodar com o sistema decimal. Metas de desenvolvimento deixavam o país de fora, por não conseguir encaixá-lo dentro do planejamento. A impressão era de que, enquanto no resto do mundo o tempo avançava, esse país se negava a deixar o futuro chegar. Ele havia sido postergado, trocado por números vazios e altos índices de aprovação no presente.
É verdade que as horas, os minutos e os dias são apenas convenções. O horário é uma coisa que não existe na natureza, uma simples métrica criada para facilitar nossa vida. Assim como os dias, meses e a forma como contamos os anos.
Mesmo assim, conseguiria uma sociedade caminhar para frente estando em desacordo com algo tão fundamental? A resposta, somente o tempo poderia responder, e para algumas pessoas mais rapidamente que as outras.
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