A pérola de livro que li no mês passado chama-se Trabalho - Uma história de como utilizamos o nosso tempo: Da Idade da Pedra à era dos robôs e foi escrita pelo antropólogo sul-africano James Suzman. O cara é especialista em povos originários, vivendo vários anos entre comunidades caçadoras-coletoras da África do Sul a fim de estudar seus modos de vida.
No livro, ele traz a sua experiência e, junto de estudos de mais especialistas, traça a linha do tempo de como o trabalho evoluiu na sociedade. Do surgimento do primeiro trampo que criamos até o caos que temos hoje.
Ao caminhar por essa história, não só do trabalho, mas também dos relatos de como as primeiras sociedades viviam, são várias as informações que brilharam meus olhos, principalmente aquelas que desafiam visões de mundo totalmente estabelecidas. A primeira delas era uma prática comum nessas sociedades de caçadores-coletores estudadas chamada de “compartilhamento da demanda”.
Diz James: “Naquelas sociedades, a obrigação de compartilhar era ilimitada, e a quantidade de coisas que se dava era determinada pela quantidade de coisas que se tinha em relação às outras pessoas.”
Ou seja, qualquer pessoa que tivesse algo que valesse a pena compartilhar ficava à mercê de ter que compartilhar esse algo. James conta a história de um pesquisador que foi praticamente intimado a dar uma de suas camisetas assim que chegou em um grupo de caçadores-coletores com essa prática. Aos olhos da tribo, o pesquisador tinha muito mais camisetas que eles, então era obrigação dele partilhá-las.
Segundo o autor, a explicação para esse comportamento é que, “ao conceder aos indivíduos o direito de tributar espontaneamente todos os outros, essas sociedades garantiam, em primeiro lugar, que a riqueza material acabasse sendo sempre distribuída de maneira bastante uniforme; em segundo lugar, que todos tivessem algo para comer, independente do quanto fossem produtivos; em terceiro lugar, que objetos escassos ou valiosos circulassem amplamente e estivessem livremente disponíveis para qualquer um utilizá-los; e, por fim, que não houvesse razão para as pessoas desperdiçarem energia tentando acumular mais riqueza material do que qualquer outra pessoa, pois isso não servia a nenhum propósito prático.”
Outra prática que achei interessante é que os caçadores do povo Ju’hoansi esperavam ser ridicularizados após a caça, assim como era normal que aqueles que a comiam se queixassem de que a carcaça trazida era esquelética ou que não daria para todos se alimentarem, por mais impressionante que fosse o animal capturado. Do caçador era esperado que pedisse desculpas ao apresentar a carcaça e que fosse invariavelmente humilde com relação às suas conquistas.
Mais uma vez, a explicação, agora vinda de um integrante da tribo: “quando um jovem consegue muita carne, ele começa a pensar em si mesmo como um chefe ou um grande homem, e pensa em nós como seus servos ou inferiores. Não podemos aceitar isso. Então, sempre nos referimos à sua carne como inútil. É assim que esfriamos seu coração e o tornamos gentil.”
Em um mundo onde fortalecemos cada vez mais a ideia da posse das coisas, o ter como objetivo de vida e maior métrica de sucesso e onde exaltamos pessoas que acumulam de forma impensada e se gabam sobre isso, esses casos me fazem pensar “onde foi que erramos?” ou até “por que não testamos isso hoje?”
Espero que gostem dos links:
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”A verdade é alcançada por saltos imaginativos. Isto aplica-se tanto à ciência como à filosofia." — Leys Simon
<3
Ótimo texto. Fiquei curioso pelo livro e vai entrar na minha lista pra leitura desse ano. Muitos vão chamar a prática dos caçadores de comunismo, eheheh. Grande abraço ao Braga.