Links do mês #087 e duas dicas de livros
Nos últimos dias tive a felicidade de ler dois dos 10 melhores livros que já li na vida. Não que eu tenha um ranking de livros em ordem de satisfação, mas a gente sabe quando um livro tá nas cabeças e quando não tá, né? Pois bem, esses dois estão e o mundo só tem a ganhar se mais gente ler cada um deles.
O primeiro deles chama-se O Despertar de tudo, um calhamaço de 700 páginas que busca revisitar o que sabemos sobre a humanidade pré-agricultura e também trazer novas informações sobre o papel das comunidades originárias na construção do mundo de hoje.
A gente aprendeu na escola que a galera caçadora-coletora vivia a esmo no mundo, lutando pela sua sobrevivência, passando fome, com pouquíssima cultura desenvolvida e brigando com quem encontrava na rua. Éramos primitivos e infantis. E daí veio o descobrimento da agricultura 12 mil anos atrás e tudo mudou. Através do modo de vida agrário e da vida em cidades, a sociedade deu seus primeiros passos para fora do atraso.
De acordo com as descobertas trazidas no livro, a parada foi bem diferente. Existiam toda a sorte de sociedades antes da revolução agrícola. Sociedades que eram metade do ano agrárias e na outra metade caçadoras-coletoras. Sociedades que tinham um rei escolhido por votação que atuava só no período de seca, e na estação das chuvas voltava a ser totalmente igualitária, sem nenhuma chefia. Sociedades onde as mulheres eram as comandantes. Sociedades que construíram templos mas nunca construíram cidades. Sociedades que construíram cidades onde todas as casas eram do mesmo tamanho. Sociedades que veneravam pessoas com deficiência. Sociedades extravagantes e luxuosas. Sociedades que viviam poucos quilômetros de distância, uma agrária, outra propositalmente caçadora-coletora. Sociedades que faziam de tudo para não ter um estado ou sistema de comando.
Basicamente, o livro prova que as sociedades “pré-históricas” eram muito criativas e que a imagem de bandos caminhando sem uma mínima estrutura política não era o comum. E sugere que bebamos dessas referências histórias e criativas para imaginar novas formas de convívio em sociedade.
E foi exatamente isso que aconteceu ali pouco antes do Iluminismo e que o livro traz também. Assim que as grandes navegações começaram, o contato entre sociedade europeia e outras sociedades originárias começou a rolar mais frequentemente, inundando os europeus com novas ideias.
Tá aí outra coisa que nunca falaram pra mim na escola e que o livro me iluminou: como as ideias, principalmente dos indígenas americanos, influenciaram pensadores franceses na construção das bases do que hoje chamamos democracia moderna. Um indígena específico, Kondiaronk, “viralizou” entre a sociedade francesa com suas ideias sobre o mundo, e suas opiniões estampavam folhetins da época, só para dar um exemplo.
Livro incrível, revelador, totalmente destruidor de paradigmas. Recomendo muito. Mas, para quem não gosta de antropologia e nem de ler livros técnicos de 700 páginas apresento Ismael, um livro com uma fala mais direta, inspiradora e tocante.
Nessa curta ficção, o protagonista, motivado por um desejo sincero de mudar o mundo, responde a um anúncio de jornal feito por um professor que busca exatamente isso: um aluno com desejo sincero de salvar o mundo. Acontece que o professor é na verdade um gorila que aprendeu a falar. Uma criatura de imensa sabedoria e com uma história que nenhum ser humano jamais ouviu.
A história que Ismael traz é uma visão não-humana de como nós humanos encaramos o mundo. Um trecho:
– Dentre as pessoas de sua cultura, quais desejam destruir o mundo? – Disse o professor.
– Quais desejam destruir o mundo? Até onde eu saiba, ninguém especificamente deseja destruir o mundo.
– E, no entanto, o destroem, todos vocês. Cada um contribui diariamente para a destruição do mundo.
– Sim, é verdade.
– Por que não param?
Encolhi os ombros.
– Francamente, não sabemos como.
– São cativos de um sistema civilizacional que mais ou menos os compele a prosseguir destruindo o mundo para continuarem vivendo.
– Sim, é o que parece.
– Portanto, são cativos e tornaram o próprio mundo um cativeiro.
Aqui outro:
As crianças humanas sonham com uma terra em que as montanhas são feitas de sorvete, as árvores são feitas de pão de ló e as pedras são bombons. Para um gorila, a África é essa terra. Para onde quer que se vire, há algo maravilhoso para comer. Nunca pensa: “Puxa, é melhor eu procurar comida”. Há comida por toda parte e a apanhamos quase sem nos dar conta, como o ar que respiramos. Na verdade, não se pensa na alimentação como uma atividade distinta. Em vez disso, é como uma música deliciosa que forma o pano de fundo de todas as atividades que permeiam o dia. De fato, a alimentação se tornou alimentação para mim somente no zoológico, quando duas vezes ao dia grandes volumes de insossa forragem eram atirados em nossas jaulas.
Tapa na cara atrás de tapa na cara, Ismael consegue brilhantemente colocar na boca de um gorila ideias originais, como se realmente tivessem vindo de uma outra espécie.
E de uma forma não planejada, os dois livros conversam entre si. De um lado um ser com uma perspectiva não-humana e por isso privilegiado para apontar os absurdos da nossa civilização (obviamente sei que não era um gorila escrevendo, mas vocês me entenderam né). Do outro lado uma visão totalmente nova da história e que também aponta absurdos que nos foram contados por centenas de anos.
Em um mundo onde ninguém parece muito saber para onde ir, novas perspectivas são sempre bem-vindas. Recomendo.
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