Hoje vamos falar sobre a expressão “pensar fora da caixa”. Ela talvez seja a dica de criatividade mais conhecida e difundida no mundo. “Quer ser criativo? Pense fora da caixa!”. “Precisamos pensar fora da caixa”, “você precisa pensar fora da caixa!” é o que palestras, vídeos “inspiracionais” e pessoas em cargo de gerência disseminam mundo afora diariamente.
Essa expressão tem seus méritos? Claro! Mas, sinceramente, sua aplicação no dia a dia é bem difícil. Isso porque “pensar fora da caixa” significa ter uma ideia que ninguém nunca teve ou pensar na coisa mais original possível. Ela geralmente estimula as pessoas a pensar em soluções que fogem do padrão e ir por caminhos novos. Ok, isso é bom. Fazer as pessoas pensarem em novas possibilidades é um ótimo conselho. O problema é que existe uma distância muito muito muito muito muito grande entre precisar de uma ideia e ter uma ideia considerada fora da caixa.
Vamos supor que você seja um personal trainer e precise pensar em um novo cartão de visitas para divulgar seus dados quando conhecer pessoas novas nas academias. Você quer um cartão diferente que chame a atenção da pessoa desde o início e mostre que você não é igual aos outros.
“Ok, preciso pensar num cartão de visitas. Ah, me lembrei de uma dica que vi numa palestra: pense fora da caixa. Ok, pensar fora da caixa. Hmmmmm. Cartões de visitas geralmente têm tamanho 5x9 cm e têm nome, telefone, e-mail e site. Como ele seria fora da caixa? Como ele seria algo diferente do que todo mundo está acostumado? Como eu poderia inovar? Não sei! Crise de pânico.”
Isso é um cenário muito real de acontecer. Essas são perguntas difíceis de serem respondidas. O que essa pessoa está tentando fazer é pensar numa ideia que ninguém nunca teve, e isso pode facilmente paralisar alguém. Por ter a necessidade de pensar algo muito fora do comum, a pessoa acaba travando, pois não consegue chegar nem perto disso.
Essa trava acontece por alguns motivos. Quando discutimos sobre a expressão "pensar fora da caixa", conseguimos identificar outros quatro problemas, que são: (a) a ausência de prática; (b) ela te arremessa ao resultado, esquecendo do processo; (c) a invisibilidade do jeito certo; e (d) a solução sempre está na caixa.
A ausência de prática
Muitas vezes, quem está mandando pensar fora da caixa e/ou quem está sendo cobrado a pensar fora da caixa não tem o hábito de pensar fora da caixa. Se tivesse o hábito, inclusive, não usaria essa expressão. A trava acontece justamente pelo desconforto natural de ter que mudar algo que já tem um formato tradicional. Então, é natural uma pessoa que não é estimulada a pensar em soluções diferentes sentir essa trava porque ela sabe que não tem prática naquela função. E pedir a uma pessoa sem experiência nenhuma para fazer algo que requer conhecimento é uma sacanagem. E isso gera ansiedade.
Exigir que uma pessoa que não é estimulada a trabalhar ativamente com criatividade pense fora da caixa é como pedir para uma pessoa que está começando a jogar boliche para fazer um strike. É muito difícil jogar a bola uma primeira vez e fazer um strike. É muito difícil, nas primeiras 40 bolas que você jogar, fazer um strike. Tem muita coisa que seu corpo precisa entender: o peso da bola, a força necessária para derrubar os pinos, o efeito adequado para atingir os pinos no lugar certo, mil coisas. Strike é algo que se atinge depois de muita prática. Primeiro é preciso ir derrubando os pinos, praticar e se acostumar a derrubar um a um, pegar o jeito de como segurar a bola, como jogá-la, a força necessária, os caimentos da pista. Para depois, já tendo experiência e técnica, derrubar todos de uma vez só.
Muitas vezes percebemos que as pessoas estão travadas no processo de ter uma ideia, simplesmente pelo fato de que elas não estão acostumadas a exercitar o processo de ter ideias. E, por isso, "pensar fora da caixa" não é um convite bom o suficiente.
Ela te arremessa ao resultado, esquecendo do processo
O segundo problema que identificamos com essa expressão é que ela não fala sobre o processo, apenas sobre o resultado. E inovação é sobre processo. Se alguém falar que você precisa pensar fora da caixa, faça uma pergunta provocativa a essa pessoa: "Como? Como você quer que eu pense fora da caixa?". A resposta do “como” fala sobre o processo, e não sobre o resultado. E é aí que muitas pessoas também travam, porque elas não sabem por onde começar.
Por isso é importante conhecer o seu processo criativo para orientar a forma como você cria. Só que esse caminho não é ensinado pela expressão “pense fora da caixa”. Ao que parece, ela lhe joga a responsabilidade de ir logo para o ponto B do mapa, sem mostrar todas as possibilidades de rotas pelo caminho.
Ideias originais geralmente são ideias que talvez ninguém tenha tido ainda. E, se ninguém pensou, imaginá-las é um processo dificílimo, não? Como vamos pensar em ideias diferentes para um cartão de visitas, sendo que não sabemos o que é uma ideia diferente para um cartão de visitas?
Você não pula do zero para uma ideia original. Uma ideia original é uma construção. Primeiro pensamos numa ideia boba, depois numa outra ideia boba, depois numa ideia mais ou menos, depois outra boba, daí nos lembramos de uma cena que vimos num filme, então conectamos essa ideia com uma ideia boba mais uma sugestão de uma pessoa e bum: nasce uma ideia original.
A invisibilidade do jeito certo
Antes de saber como fazer diferente, você precisa saber como a coisa é feita. Antes de pensar em mudar, você precisa saber como é. Chamar para pensar fora da caixa não deixa claro qual é o jeito certo das coisas. Quais padrões precisam ser quebrados, ou o que não está funcionando, ou qual aspecto do problema precisa ser revisto. Trabalhando nessa área e observando as transformações tecnológicas que aconteceram nas duas primeiras décadas deste século, podemos perceber que na maioria das vezes as grandes inovações não mudam tudo em um produto ou serviço. São inovações incrementais que fazem toda a diferença.
As grandes ideias surgem quando as pessoas por trás delas estão, de certo modo, brincando com a forma natural das coisas. Dificilmente, descarta-se algo para se começar tudo do ponto inicial, do zero. Pensar fora da caixa não oferece essa noção. Esse chamado dá a entender que tudo o que temos até agora precisa ser jogado fora e que a solução está fora da caixa.
Passar um tempo tentando entender como as coisas são pode trazer muitas novas perspectivas para que você, em seguida, possa pensar com mais insumos em "como isso pode ser diferente". E, infelizmente, "pensar fora da caixa" não estimula que a gente olhe para como as coisas são hoje, pelo contrário.
A solução sempre está na caixa
A caixa é tudo aquilo que é comum a nós. É tudo que conhecemos, o contexto em que vivemos, as informações que temos. Já a parte externa dela é o desconhecido, as informações que não temos, as coisas que não conhecemos e com as quais não temos contato. Logo, “pensar fora da caixa” é pensar em coisas que não conhecemos. Como é possível fazer isso? Como vou pensar usando como matéria-prima aquilo que a mim é completamente desconhecido?
Ninguém tem uma ideia utilizando um conceito ou objeto que não conhece. Isso é impossível. O homem das cavernas não pensou no fogo como solução para o frio antes de ver o fogo com os próprios olhos. Primeiro ele conheceu o fogo, depois ele virou insumo para uma ideia posterior.
Para termos uma ideia criativa, precisamos obrigatoriamente ter contato com os fundamentos que a deixam de pé.
Em vez de buscarmos por soluções intangíveis, precisamos buscar dentro da própria caixa – ou seja, o universo de coisas que sabemos – a solução para um problema. Para isso, nossa caixa precisa estar sempre bem-abastecida e rica em referências.
Esse texto é um capítulo do livro E Se Fosse Diferente?, escrito junto do meu amigo Gabriel Gomes. O livro tem como objetivo tornar a criatividade mais acessível para pessoas das mais diferentes áreas de atuação, e você pode comprar ele aqui.
Espero que gostem dos links:
Toda geração tem uma crítica para a geração seguinte. A estupidez por trás do Quiet Quitting.
93% de creators entrevistados disseram que ser um creator teve impacto negativo em suas vidas 😮
“Bora falar de impacto”, episódio do podcast do Vakinha onde eu participei!
Tenha muito cuidado ao generalizar gerações.
“Se uma atividade econômica for baseada em tornar as pessoas viciadas, causar danos ao cérebro de adolescentes, diminuir o nosso bem-estar mental e físico, aumentar os casos de ansiedade e depressão e prejudicar a cognição e a produtividade, o que a sociedade deveria fazer a respeito?” Sobre a cultura tóxica das notificações.
E se as eleições fossem definidas não por votação, mas por sorteio?
Esses dias estourou para o mundo a revolta do Grupo Wagner e não sei vocês, mas fiquei em choque em saber que, em pleno 2023, exista um grupo de mercenários de tamanha importância. Decidi me informar mais sobre ele e a parada é muito mais maluca do que imaginei. Recomendo esse documentário aqui.
“É constrangedor que, após 45 anos de pesquisa e estudo, o melhor conselho que posso dar às pessoas é seja que sejam um pouco mais gentis umas com as outras.” — Aldous Huxley
<3
Excelente texto