Quanto da polarização é culpa sua?
Com a sinceridade de uma criança, responda para você mesmo as seguintes perguntas:
Com a sinceridade de uma criança, responda para você mesmo as seguintes perguntas:
Você abre espaço no seu grupo de amigos/amigas para pessoas com visões políticas diferentes das suas?
Você avacalha pessoas (conhecidas ou não) por terem visões políticas diferentes das suas?
Com que frequência você avacalha alguém que vota em outro partido político (e avacalha justamente por isso) no seu grupo de amigas/amigos?
Você sente ojeriza/ódio/raiva por candidatos/candidatas que não pensam como você?
Você sente ojeriza/ódio/raiva por eleitores/eleitoras de outros partidos políticos?
Você aceita que sua cidade/estado/país sejam governados por partidos políticos com os quais você não tem afinidade?
Numa escala de 0 a 10, qual a chance de nas próximas eleições você votar em um partido diferente daquele que você votou pela última vez?
Numa escala de 0 a 10, qual a chance de você contratar um serviço profissional ou fazer uma nova amizade com alguém que você sabe que tem posições políticas bem diferentes das suas?
Se o/a motorista do Uber puxa o assunto política ao falar sobre algo que você não concorda, o que passa pela sua cabeça?
Polarizamos além da conta
Que o mundo e o Brasil estão passando por um momento de extrema polarização política não é novidade para ninguém. Esse fato está nas notícias, nos artigos, nas conversas de família e no trabalho.
Se antes a política era um tabu, hoje é um cartão de visita. De “política, religião e futebol não se discute” ser uma deixa para encerrar um assunto, agora, antes de conhecer alguém, queremos saber em quem a pessoa votou. A posição política virou um marco definitivo de caráter. É ela que dá o tom das relações.
Pensa como eu? Sinal verde.
Pensa diferente de mim? Tô fora.
Pensa diferente de mim mas eu não tenho como não me relacionar? Briga (vide as brigas que muitas famílias vivenciam por causa de política).
Visto que existe uma expressão na nossa língua (“política não se discute”) que tenta nos avisar sobre o quanto esse assunto é cabeludo, não deveria ser surpresa para nós estarmos onde estamos hoje. A partir do momento em que as redes sociais chegaram e as pessoas tiveram passe livre para falar sem a preocupação de que aquilo atrapalharia uma conversa real e presencial, política começou a ser discutida sim. E muito.
Enfim, polarizamos legal. Polarizamos tanto que admiro quem consegue ver uma luz no fim do túnel. Imaginar um mundo não dividido. Ou dividido amigavelmente. Você consegue imaginar isso?
Preocupado com a não-existência desse cenário futuro, me perguntei esses dias como eu contribuía para a polarização, e vice-versa. Olhei para minhas atitudes e comecei a me fazer perguntas, as quais trouxe aqui para refletirmos como pessoas que querem que essa polarização tenha terminado quando nossos filhos e filhas tiverem que formar grupos para um simples trabalho na 4ª série.
Olhando para as pessoas como pessoas
Pode parecer, com o título sensacionalista desse texto, que eu não sou culpado, mas eu sou sim. De várias formas. É natural e inconsciente a aproximação com pessoas que pensam como você e a rejeição do oposto. Nosso cérebro até faz um esforço para acreditar naquilo que as pessoas que a gente considera “do nosso time” falam, mesmo se essas informações não façam sentido.
É preciso um trabalho consciente e consistente para esse comportamento orgânico deixar a gente. Quer dizer, talvez nunca deixe, mas com a prática e a atenção ele pode ficar adormecido, inerte, sem causar muito impacto.
Não entendam também que eu estou pregando pelo fim dos grupos unidos por uma opinião em comum. Longe disso. A nossa habilidade para nos unirmos como grupos que pensam como a gente é importantíssima para a humanidade, nos traz personalidade, propósito, amizades, senso de pertencimento, acolhimento e por vezes substituem a dinâmica familiar.
O problema da nossa sociedade é outro. É colocar as pessoas em caixas pré-fabricadas simplesmente por causa da sua posição política.
Trago aqui um trecho do livro “O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível”, escrito pelo economista americano Charles Eisenstein. Ele tem um capítulo inteiro sobre como excluímos pessoas através dos olhos do Situacionismo e do Disposicionismo:
“O Situacionismo, diz que a totalidade da nossa situação interna e externa é que determina nossas escolhas e crenças. Em contraste, a maioria das pessoas em nossa sociedade tem a visão do disposicionismo, que diz que as pessoas tomam decisões pelo exercício do livre arbítrio com base em disposições ou preferências relativamente estáveis. Se alguém faz uma coisa boa, diz o disposicionalista, provavelmente é porque é uma boa pessoa. O situacionista diz que não, que isso é um erro.”
“Quando uma pessoa diz uma coisa má, nosso primeiro impulso é pensar que é uma pessoa má. Podemos descobrir depois que ela estava com dor de dente, e mudar nosso julgamento, mas o primeiro impulso é fazer julgamento disposicional.”
Em um mundo democrático, aberto, livre e próspero haverá sempre pessoas que pensam diferente da gente. Aceitar isso é fortalecer um mundo democrático, aberto, livre e próspero. Vão existir políticos que pensam diferente de você, vão existir partidos que acreditam em outras dinâmicas, os eleitores e eleitoras nunca vão votar unanimemente igualzinho à você. Nunca ninguém ganhou com 100% dos votos.
Não que não existam políticos horríveis, cruéis, maléficos. Assim como partidos. Eleitores, aos montes. Gente mesquinha, racista, corrupta, retrógrada, preconceituosa, machista. Gente da pior estirpe tem por tudo. Gente que é criminosa, no sentido literal da palavra, e que esbraveja ser o melhor que há na sociedade.
Não podemos negar que não existam essas pessoas. Assim como não podemos negar que o contrário é verdadeiro. Tem pessoas que simplesmente acreditam num slogan, num jingle, numa montagem de WhatsApp. Se jogam numa ideologia entendendo apenas 12% dela. Esse único fato fecha portas de conexão, de troca e, principalmente, de humanidade.
E nós, vivendo dentro de uma sociedade com visão disposicionista, acabamos por definir o todo tendo como base apenas uma única opinião. Assim vamos nos isolando dentro das nossas bolhas de afinidade e trocando pouco com outras bolhas.
Ser ponte e não parede
A política é complexa. A esquerda vai ter suas certezas, a direita vai ter as suas e em ambas convicções existe muito espaço para discussão. As duas possuem falhas, sim, mas no final do dia, olhando para o espectro político, as maçãs podres vão corresponder a uma porcentagem pequena dentro desse todo.
A grande maioria apenas acredita que as suas ideias são as mais corretas. E chegaram nessa conclusão por uma enorme lista de acontecimentos. A falta de diálogo com outros grupos pode fazer com que essa lista de acontecimentos continue sendo preenchida apenas pelos mesmos tipos de estímulos. Ela impede o surgimento de novos acontecimentos que poderiam ajudar na expansão da mente e a abrir espaço para a evolução das suas ideias.
Excluir alguém pela sua opinião política pode determinar, de uma vez por todas, que aquela será a opinião política da pessoa para sempre. E que a nossa também não será alterada.
“Ah, mas eu não excluo as pessoas. Eu até tenho
um amigo que vota no partido X.”
Acredito que o meu papel (e o de todos nós) na atual polarização do mundo deveria ser o de ponte, e não de parede. Deveríamos estimular a diversidade de pessoas e ideias, e não sentar nas nossas certezas. Estou trabalhando para isso, com dificuldade, com recaídas e com momentos de esperança.
Pode votar sempre no mesmo partido. Pode falar mal de político. Pode não querer falar de política com outras pessoas. Pode não ter amigo que pensa diferente. E tá tudo bem. Mas não concordar com um posicionamento é muito diferente de odiar uma pessoa.
Temos que olhar para o contexto de extrema polarização atual e, com consciência, ver como as pequenas atitudes do nosso dia a dia ajudam a fortalecê-los. Eu sei que tenho muito a melhorar nesse aspecto e estou me comprometendo a isso.
“Quando os dois lados de uma controvérsia se deliciam com a derrota e humilhação do oponente, de fato estão do mesmo lado: o lado da guerra.”
— Charles Eisenstein
Como eu faço para ser ponte e não parede? Antes de sair julgando alguém por um post ou opinião eu busco entender a pessoa como um todo, não reduzindo ela apenas a uma fala. Tento ser curioso para ler sobre outros pontos de vista com o objetivo de desafiar minhas crenças. Não entro em conversas políticas apenas para provar meus pontos, e sim para trocar ideias. Tento me lembrar constantemente que eu não sei nada. Quer dizer, sei um pouco sobre várias coisas, assim como você, mas certezas absolutas estão longe de mim. Dessa forma eu fico mais aberto para novos conceitos.
Devem haver outras formas e se quiser compartilhar comigo, sou todo ouvidos. Acredito que as perguntas do início do texto são uma pequena porta de entrada: olhar para os nossos comportamentos pode saltar aos nossos olhos outras formas de agir. Que elas possam ser uma ferramenta útil para quem quer trilhar esse caminho também.
Paz e Amor ❤